Com mais de trinta

Curtido em ‘uísque e vergonha’, o repertório do primeiro álbum de Angela Ro Ro é baseado em fatos reais, lances da vida de uma moça talentosa que metia medo em muitas gravadoras.

Vilmar Bittencourt 25/04/10 16:50 - Atualizado em 25/04/10 16:50

Angela Ro Ro fotografada no fim dos anos 2000. (Divulgação)

Em recente entrevista à Rádio Cultura Brasil, Zelia Duncan focalizou a geração de cancionistas da qual faz parte. Duncan destacou três de seus colegas que, como ela, estrearam em discos-solos por volta ou depois dos trinta anos de idade. Para cantora e compositora, Lenine, Chico César e Zeca Baleiro chegaram ao primeiro disco convictos dos caminhos a percorrer na carreira discográfica iniciada, em termos, tardiamente. Ao ser lembrada que havia um caso parecido e que se tratava de Angela Ro Ro, Zélia comentou: “Esta estreou lindamente, que disco lindo!”. A comprovação do apreço que Zélia Duncan tem por Angela Ro Ro, álbum lançado em 1979, está no fato de ter gravado, ao vivo, junto de Simone um dos temas confessionais que RoRo lançou há 30 anos, quando ela própria estava por entrar numa nova década de sua vida: o rock “Agito e uso”.

No álbum Angela Ro Ro, “Agito e uso” era a primeira do lado B, face do LP dedicada às faixas mais agitadas em forma de rock, balada e blues. Com arranjos elaborados por Angela e Antônio Adolfo, o repertório do primeiro disco da cantora baseava-se nas experiências de vida da compositora que até seus 29 anos já tinha agitado e muito. Carioca de Ipanema, Ângela Maria Diniz Gonsalves estudou piano clássico até os 15 anos, encerrou a vida escolar no terceiro colegial e caiu de boca numa vida ‘on the road’ no Brasil e na Europa. Depois de passar curta temporada em fazenda comunitária na Bélgica, Angela mudou-se para Londres onde cantou e tocou em ‘pubs’ e conheceu Caetano Veloso, que enfrentava o exílio e preparava o álbum Transa. Caetano ouviu Ro Ro tocar uma gaitinha ‘blue’ numa festa e a convidou para soprá-la no dueto vocal dele com Gal Costa na faixa “Nostalgia”. Segundo Angela Ro Ro, a participação caiu do céu pois rendeu-lhe algumas semanas do aluguel e duas calças de veludo.

Do ‘Swinging London’ no começo dos anos setenta até o final daquela década, Angela Ro Ro criou fama local na Zona Sul carioca tocando seu piano, cantando suas baladas e metendo-se em confusões. Alguns dos entreveros viraram música: “Agito e uso” foi escrita depois da compositora ter brigado com uma garota e empurrado seu carro deixando-o atravessado numa esquina da Visconde de Pirajá; “Balada da arrasada” foi composta para uma namorada freqüentadora da Galeria Alaska, e “Mares da Espanha”, antes de ser canção dá nome a um motel.

Curtido em ‘uísque e vergonha’, o repertório do primeiro álbum de Angela Ro Ro é baseado em fatos reais, lances da vida de uma moça talentosa que metia medo em muitas gravadoras. Em 1979, incentivada pela onda de novas cantoras-autoras – na qual despontaram Marina Lima, Joana e Fátima Guedes –, a Phonogram comprou a briga e lançou por seu selo Polydor o LP Angela Ro Ro. Reeditado em CD em 2002, esse primeiro item da sua reduzida discografia traz ainda canções como “Amor, meu grande amor”, “Tola foi você”, “A mim e a mais ninguém”, “Não há cabeça” e “Gota de sangue”, que encantou Maria Bethânia a ponto de a baiana gravá-la em seu LP Mel, de 1979. Para a sessão de gravação, Bethânia convidou Angela para acompanhá-la, ao piano. O duo trouxe-lhe prestígio. De acordo com Angela Ro Ro, aquela era a segunda vez que a família Veloso a salvava. Outras demonstrações de carinho e reconhecimento por parte de Caetano e Bethânia aconteceram: em 1981, Caetano Veloso escreveu “Escândalo” para Angela; em 1983, Maria Bethânia, em seu álbum Ciclo, lançou e levou ao sucesso a canção “Fogueira”, um dos clássicos daquela que já escreveu “se gosta do medo, não venha comigo / não gosto de quem nunca corre perigo”.

O cmais+ é e reúne os canais TV Cultura, UnivespTV, MultiCultura, TV Rá-Tim-Bum! e as rádios Cultura Brasil e Cultura FM.

Visite o cmais+ e navegue por nossos conteúdos.