O trabalho, as crianças e eu

O radialista Eduardo Weber relembra os bastidores da gravação do especial Diário de um zelador chamado Benedito, apresentado na RCB em 1992

Eduardo Weber 25/09/12 11:00 - Atualizado em 25/03/15 12:12

O produtor Eduardo Weber em busca de matéria-prima para especial sobre o zelador Benedito. (Acervo pessoal / Eduardo Weber)

Neste mês de setembro resolvi contar algumas histórias vividas nos bastidores do rádio. Aproveito para lembrá-lo que 25 de setembro é o Dia do Rádio, data escolhida por ser o dia de nascimento de Edgard Roquete Pinto, um pioneiro desse meio de comunicação no Brasil.

Uma das histórias aconteceu há menos de 20 anos. Se para você é muito, para mim são quase duas décadas e de tão marcante, jamais a esqueci.

Fui convidado para fazer uma série que era uma espécie de musical misturado com ficção. O primeiro trabalho tinha como protagonista um zelador e todas as cenas eram ambientadas no condomínio em que trabalhava. E uma das sequências se passava na recepção do prédio, lugar impróprio para criança brincar, segundo o meu síndico.

Acontece que sempre gostei de trabalhar com sons realistas, porque muitas vezes os ruídos das bibliotecas sonoras são mais falsos que uma nota de 30. Você há de concordar que fica ridículo utilizar ruídos de crianças alemãs para ilustrar uma cena que se passa num condomínio de um tradicional bairro paulistano. É ou não é?

E assim sendo, fui atrás de um som realista, de crianças brincando. O que ouvi em disco, não me agradou. Lembrei-me da rua da casa dos meus pais. Era uma rua pequena em forma de “L” que não tinha mais do que 100 metros de extensão, se é que você me entende.

Quando ia visitá-los aos domingos, ouvia do apartamento crianças brincando na rua, lá pelas 11 da matina. Não tive dúvida: vou gravar essas crianças. Elas nem vão perceber.

E lá fui eu num domingão até Guarulhos apetrechado. O que significa: gravador, pilha, fita K-7, bateria, microfone, cabo e fone de ouvido na mochila. Cheguei cedo e fiquei na espreita, na janela do apartamento dos meus pais, que ficava na parte menor do “L”, do lado de fora da letra, se é que você me entende.

Do outro lado da calçada, dessa mesma rua em forma de “L”, ficava o prédio de oito andares que provia a rua das crianças que ali brincavam aos domingos pelas 11 da matina, antes do almoço, ocupando a parte maior da letra, ou seja, da rua, fato que só era interrompido quando passava algum carro por ali, o que era raro, se é que você me entende... Entendeu?

Como previa, numa precisão britânica, às 11 da matina daquele domingo de quase duas décadas atrás, a criançada tomou conta da rua e começou a zuada. Não era muita criança. Era o suficiente. Era o que mais queria, ou seja, sons de crianças brasileiras brincando para ilustrar a história do Benedito.

Desci as escadas de três andares do prédio de meus pais perfeitamente paramentado como mostra a foto (que não foi tirada na época, pois nesse tempo não precisava de boné). Desci e fiquei na quina das duas pernas do “L”, na parte interna, na curva, com o microfone ligado e a fita rodando, de maneira que não fosse notado. Se é que você me entende.



Você não imagina a minha felicidade. Era justamente aquilo que buscava. Barulhos espontâneos, gritinhos, chutes na bola e bola explodindo no muro. Corridinhas, risinhos, briguinhas e a meninada me ignorando e eu gravando tudo. Tudo ia muito bem, até que eu ouvi pelo fone de ouvido o seguinte diálogo da menina e o menino e acabou com a minha história.

- O que aquele cara está fazendo ali, agachado?
- Você não tá vendo? Entrevistando o poste.

Sai de fininho, voltei para o apartamento, para o almoço de domingo. Se é que você me entende...



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Diário de um zelador chamado Benedito

Apresentado na Rádio Cultura AM em 14 de junho de 1992
Apresentação: Madeleine Alves
Benedito: Pascoal da Conceição
Música: "Rosa branca foi ao chão" (Ronaldo Tapajós), com MPB-4

 

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