Carlos Lyra, 70 anos em 68 minutos

Confira na íntegra e baixe a transcrição da entrevista que Carlos Lyra concedeu em seu aniversário de 70 anos.

Vilmar Bittencourt 10/05/12 14:35 - Atualizado em 10/05/12 14:35

Carlos Lyra participa de gravação na TV Cultura, em 1990 (CEDOC FPA)

Em 11 de maio de 2006, Carlos Lyra sentou-se em frente ao microfone da Rádio Cultura para uma entrevista ao programa “TodaMúsica”. Vindo do Rio de Janeiro, naquele exato dia, fechava um período de inferno astral, pois fazia mais um aniversário. Decidido a adotar como seu ano de nascimento aquele “pesquisado” pelo crítico Tarik de Souza, Carlinhos retardava em 36 meses suas sete décadas de vida. Apesar de diplomado pela Escola de Astrologia Sideral, de Los Angeles, Lyra não falou de signos que não fossem musicais, artísticos ou políticos.

Durante 68 minutos, Carlos Eduardo Lyra Barbosa passeou pela carreira musical com desenvoltura de um grande contador de casos. Sua habilidade para expor enredos foi adquirida ao longo dos anos. Segundo o cantor, compositor e violonista, esta aptidão fez-se pela necessidade de um narrador que contasse suas vivências e, para isso, nada melhor do que o próprio protagonista, autor, sujeito e objeto.

Assim, pela voz do dono, toda aquela bossa foi esmiuçada. Com franqueza, Carlos Lyra fala da batida “joãogilbertiana” que, em sua opinião, reduziu a Bossa Nova ao samba, criando um consenso mundial sobre sua rítmica que excluía outros gêneros praticados com desenvoltura por ele e Tom Jobim.  Sobre o “maestro soberano” de toda uma geração, Lyra lembrou quando o conheceu, por intermédio de João Gilberto que passou-lhe o telefone para que os dois compositores, presentes em um certo disco de Sylvia Telles, conversassem pela primeira vez.  A amizade e admiração entre Jobim e Lyra são evidentes no depoimento do autor de “Primavera”.  Aliás, foi com essa canção que Tom, ao violão, cortejou Brigitte Bardot em petit comité reunido na casa de Odette Lara.  Com humor e uma dose certa de indignação, Carlinhos protestou. Jobim retrucou: “vou comer essa mulher com a sua música”.

Coautor de “Primavera”, Vinicius de Moraes, em sua gravação de “Samba da Benção”, assim referiu-se ao parceiro: “A benção, Carlinhos Lyra/Parceirinho cem por cento/Você que une a ação ao sentimento/E ao pensamento”. A colaboração com Vinicius teve início em 1960, mesmo ano em que Lyra compôs a trilha de “A mais valia vai acabar, seu Edgard”, peça de Oduvaldo Vianna Filho. Ao lado do dramaturgo, de Ferreira Gullar e Leon Hirszman, Carlos Lyra fundou o Centro Popular de Cultura da UNE movido pela ideologia que o músico conserva - “eu continuo socialista, continuo com as mesmas ideias políticas que eu tinha antes” -, temperada por apuro estético antipanfletário: “mesmo no CPC, onde enfrentei Vianinha e outros, eu não admitia que se subjugasse a forma ao conteúdo. Nem na ‘Influência do jazz’ eu deixei acontecer isso”.

De maneira mais ou menos cronológica, Carlos Lyra narrou fatos de sua vida musical desenrolados no Brasil, Estados Unidos e México. Entre os personagens citados estão Stan Getz, Gabriel García Márquez e Benny Goodman, com quem Lyra tocou no festival de jazz de Newport o standard  “Garota de Ipanema” contrariando sua  convicção de apresentar-se exclusivamente com material próprio, fato que deixou o saxofonista Getz furioso com o autor de “Minha namorada”.

Por escrever letra e música, Carlos Lyra é um cancionista que pode dispensar parceiros. Mesmo assim, o compositor cultivou colaboradores mais que especiais.  Os principais, Vinicius e Ronaldo Bôscoli, têm destacada atuação na narrativa de Carlinhos, que expôs os modos de produção conjunta com os poetas em um Rio de Janeiro dos sonhos, entre as décadas de 50 e 60 do século passado.  

Bar do Plaza, Clube da Chave, Carnegie Hall, Copacabana e Ipanema. Presentes no enredo bossanovista desenvolvido naquele 11 de maio, no estúdio da Cultura, esses são alguns dos cenários por onde evoluíram protagonistas e coadjuvantes de uma história muito bem contada nas páginas de “Chega de Saudade”. Instigado a dar sua opinião sobre o livro de Ruy Castro, Carlos Lyra o elogiou pelo pioneirismo e o criticou pela omissão dos aspectos políticos e sociais da Bossa Nova. Sincero, o músico queixou-se da lacuna para o jornalista. Respondendo ao amigo, Castro o aconselhou a escrever seu próprio relato com a promessa de assinar-lhe o prefácio. Carlos Lyra aceitou o desafio: “Aí, eu escrevi minhas memórias. Está lá, com o prefácio dele, prontas para, quando der pé, sair”.
 

O cmais+ é e reúne os canais TV Cultura, UnivespTV, MultiCultura, TV Rá-Tim-Bum! e as rádios Cultura Brasil e Cultura FM.

Visite o cmais+ e navegue por nossos conteúdos.