O time que desequilibrou o mundo

O Santos, esquadra que parou uma guerra, tem sua história contada pelas vozes de Zeca Baleiro, Jorge Ben, Pelé, Elis Regina e Francisco Egydio.

Alceu Maynard 08/12/11 17:00 - Atualizado em 08/12/11 17:00

A maior linha de ataque da história do futebol. Agachados, as estrelas: Dorval, Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe. (Acervo Santos Futebol Clube)

De um modo geral, todos clubes de futebol tem uma boa história para contar. Luta, perseverança, superação, conquistas e glórias pontuam muitas delas. Porém, um clube conseguiu um feito único na história do futebol mundial: parar uma guerra.

Fevereiro de 1969. O Santos, bicampeão mundial, era a maior atração que se podia imaginar quando o assunto era futebol. Uma constelação de craques, capitaneados por sua estrela-maior, Pelé, excursionava pelos quatro cantos do mundo encantando multidões. O comércio fechava as portas e estudantes faltavam às aulas para ver “o maior espetáculo da Terra”. Lamentavelmente, ao chegar no Congo Belga – atual República Democrática do Congo –, a equipe encontrou um país em guerra. Mas naquele dia, grupos rivais de Kinshasa e de Brazzaville interromperam o confronto para que as cidades pudessem assistir aos jogos dos “embaixadores do futebol”. Gilmar, Rildo, Lima, Pelé, Edu e companhia garantiram o espetáculo em terras africanas. Nesta seleção musical, vamos relembrar algumas grandezas do melhor clube das Américas do século 20.

Em 1912, na cidade litorânea de Santos, a principal exportadora de café do mundo, três esportistas - Francisco Raymundo Marques, Mário Ferraz de Campos e Argemiro de Souza Junior - fundaram o Santos Futebol Clube. A cidade onde Charles Miller aportou trazendo as duas primeiras bolas de futebol, vinte e dois anos depois, ganhava um clube que defenderia seu nome e divulgaria o talento brasileiro em todo o globo. Quando Arnaldo Silveira marcou o primeiro gol em uma partida oficial do time, começava a se estruturar a agremiação que, dois anos após a profissionalização do esporte no país, conquistou o seu primeiro Campeonato Paulista, em 1935. Neste ano consagrou-se o primeiro artilheiro do Santos, Araken Patusca, irmão do atacante Ary, que anteriormente havia defendido o alvinegro praiano.

Vinte anos mais tarde, o Santos chegou ao seu segundo título paulista e, na sequência, o bicampeonato, em 1956. Manga, Zito, Tite, Ramiro, Del Vecchio e Pepe, o eterno “canhão da Vila”, iniciaram uma época de domínio no futebol brasileiro que duraria muitos anos. Com a chegada do garoto Pelé, em 1956, a hegemonia do Santástico estendeu-se até o fim do seu reinado, em 1974. Ainda em 1956, o cantor Francisco Egydio gravou pela Odeon "Viva o Santos", uma homenagem de Júlio Nagib à recente conquista estadual. Versátil, Egydio cantava boleros, sambas e marchas, o que garantiu sua popularidade no rádio daquela década. Em 1958, Egydio gravou um compacto duplo dedicado ao seu time do coração. Lançado pela Odeon , o 78 r.p.m. trazia de um lado o samba "O Santos ganhou" (Nilo Silva, Marzinho e Nandinho) e do outro lado o hino oficial do clube, "Glória ao Santos F.C." (Carlos Henrique Paganetto Roma).
 


Sou alvinegro da Vila Belmiro
O Santos vive no meu coração
É o motivo de todo o meu riso
De minhas lágrimas e emoção

Sua bandeira no mastro é a história
De um passado e de um presente só de glórias
Nascer, viver e no Santos morrer
É um orgulho que nem todos podem ter

No Santos pratica-se o esporte
Com dignidade e com fervor
Seja qual for sua sorte
De vencido ou vencedor

Com técnica e disciplina
Dando sangue com amor
Pela bandeira que ensina
Luta com fé e com ardor


Embora considerado hino oficial do clube, a marcha mais popular entre os torcedores santista é a Leão do Mar (José Maugeri Netto e Antonio Maugeri Sobrinho), composta em 1956 para homenagear o time campeão. A versão presente nesta playlist é interpretada pelo cantor, compositor e torcedor Zeca Baleiro.

Iniciada a “Era Pelé”, tornou-se monótono ver o time santista erguer taças. Torcedores de outros clubes sentiam um misto de emoções, admiração e ódio correr nas veias. Já o santista, ignorava discussões futebolísticas: seu time elevou-se a outro patamar esportivo. Rádio, televisão ou arquibancadas testemunharam extasiados a conquista de 22 títulos entre os anos de 1960 a 1969, nove deles consecutivos.

Flamenguista, Jorge Benjor dedicou diversas músicas aos ídolos e ao clube rubro-negro durante sua carreira. A única exceção surgiu em 2004, no álbum Reactivus amor est (Turba Philosophorum), com a faixa "O nome do rei é Pelé". Para os mais desinteressados por futebol a letra parece ficção:


Menino de três corações, Bauru, Vila Belmiro
Seguindo o seu futuro e seu destino
Com 21 anos de carreira
Veio, viu e venceu
Jogou 1375 partidas
Fazendo a rede balançar constantemente
Por 10 anos seguidos foi o artilheiro do campeonato paulista
Participou de 50 campeonatos no Brasil e no exterior
Com a realeza de fazer 1281 gols lindos
De cabeça, de virada, de balãozinho, de bate pronto
De bicicleta, de carrinho, de letra, de peito, de peixinho, de falta, de penalty
E nos incríveis gols de placa


Mas Pelé não jogava sozinho. Por muito tempo foi acompanhado de campeões e bicampeões mundiais, jogadores que representavam a nata do futebol brasileiro. Na primeira conquista brasileira da Copa do Mundo, o garoto Pelé representou a equipe alvinegra ao lado dos companheiros Zito e Pepe. Já 1962 foi um ano especial. A “Sele-Santos” conquistou sua primeira Copa Libertadores da América e o Mundial Interclubes vencendo o Benfica, do craque Eusébio. A confiança dos portugueses era tão grande que, supostamente, vendiam ingressos para a terceiro partida, acreditando na vitória do time lusitano. No entanto, foram atropelados na própria casa por 5 a 2. Neste mesmo ano, o Brasil conquista sua segunda Copa do Mundo com  sete jogadores santistas: Gilmar, Mauro, Zito, Mengálvio, Coutinho, Pelé, Pepe.



No ano seguinte, o Santos veio embalado para a Libertadores. As partidas finais contra o Boca Juniors, da Argentina, não foram nada fáceis, porém, nem os hermanos conheciam a receita para barrar Dorval, Coutinho, Pelé e Pepe. Tabelinha que você ouve em uma narração na música "O Santos era campeão", de Inácio Zatz. A conquista deu o direito de disputar o Mundial de Interclubes novamente, desta vez contra os italianos do Milan. Após perder a primeira partida e vencer a segunda, o desempate foi realizado no Marcanã, com mais de 120 mil espectadores. A partida foi muito disputada (e violenta), até que o juiz marcou um pênalti a favor do Santos, convertido por Dalmo. Os italianos perderam a cabeça e começaram a distribuir pontapés, ficando com menos jogadores em campo. O Santos administrou a partida e garantiu o caneco mais uma vez.

Enquanto muitos times ainda sonham com o maior torneio das Américas, o Santos comemorou duas vezes o bicampeonato da Libertadores. Atuais bicampeãs do torneio na edição feminina de futebol, “As Sereias da Vila” consagraram o escudo do alvinegro praiano em 2009 e 2010. O reinado estava completo. Além do “Rei do futebol”, a Vila Belmiro lotou de súditos para ver Andréia Suntaque, Renata Costa, Maurine, Fran, Ester, Grazi e, é claro, a “Rainha do Futebol”, Marta, eleita pela FIFA a melhor futebolista do mundo por cinco vezes consecutivas, um recorde entre mulheres e homens. Chamada pelo próprio Pelé de "Pelé de saias”, Marta entrou na calçada da fama do Maracanã, sendo a primeira e, até agora, a única mulher a deixar a marca dos pés nesse local. Para elas, o compositor e santista fanático Fernando Peres dedicou o samba "Sereias da Vila".
 


De sereias a meninos da Vila, o Santos se destaca com sua escola de craques. Afinal, quem não sonha entrar para a maior galeria de ídolos do futebol brasileiro? Jogar no campo que foi palco de partidas memoráveis e ainda ter o Rei assistindo aos jogos do camarote é um privilégio.

A primeira geração dos "Meninos" surge em 1978, com Nílton Batata, Juary, Pita e companhia. O time faturou o estadual daquele ano. A segunda, em 2002, teve a dupla Diego-Robinho, além de Renato, Léo e Elano, peças fundamentais na conquista do Campeonato Brasileiro em cima do Corinthians. Elano e Robinho ainda ficaram no elenco santista que faturou novamente o título do brasileiro em 2004. E, agora, ambos retornaram ao clube que, entre uma pedalada e outra, acelera com a terceira geração que já teve André e Wesley, ao lado dos remanescentes Paulo Henrique Ganso e Neymar. Com futebol alegre e rápido, os "Meninos" trouxeram mais um título inédito ao clube, a Copa do Brasil, em 2010. O ataque foi arrasador e emplacou algumas goleadas: 10 a 0 contra o Naviraiense e  8 a 1 contra o Guarany. Neymar marcou cinco vezes neste jogo.
 


Mais uma vez, o Leão do Mar marcou um gol para o futebol nacional. Há tempos que nenhum time brasileiro encantou tanto os fãs do esporte. Glória para a mais famosa vila do mundo, o templo do futebol.



REPERTÓRIO

1. Marcha Leão do Mar (José Maugeri Netto e Antonio Maugeri Sobrinho), por Zeca Baleiro
2. O nome do rei é Pelé (Jorge Ben), por Jorge Ben
3. Santos era campeão (Inácio Zatz), por Inácio Zatz
4. O Santos ganhou (Nilo Silva, Marzinho e Nadinho), por Francisco Egydio
5. Glória Ao Santos F. C. (Carlos Henrique Roma), por Francisco Egydio
6. Sereias da Vila (Ricardo Peres), por Grupo Tempero
7. Campeão da Copa do Brasil 2010 (Ricardo Peres e Fábio Peres), por Grupo Tempero
8. Baleinha e Baleião (Ricardo Peres), por Grupo Tempero
9. Meu legado (Edson Arantes do Nascimento), por Pelé
10. Quem sou eu (Edson Arantes do Nascimento), por Pelé e Gilberto Gil
11. Perdão, não tem (Edson Arantes do Nascimento), por Pelé e Elis Regina
 




AGRADECIMENTOS
Ao pesquisador Guilherme Gomez Guarche, aos Departamentos de Comunicação e História do Santos Futebol Clube, ao jornalista Carlos Pimentel Neves, a Roberto Lapiccirella do site Ao Chiado Brasileiro.

 

REFERÊNCIAS
[ ] Guarche, Guilherme Gomez. O melhor do século nas Américas - História dos 91 anos do Santos F.C. 2003.
[ ] Torero, José Rober & Pimenta, Marcos Aurelius. Santos - Um time dos céus.  

 

 

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