O reggae no Brasil dos anos 1970

O radialista e músico Jai Mahal rastreia os primeiros contatos da música brasileira com o ritmo jamaicano. Com Caetano, Gil, Chico e Rita Lee.

Jai Mahal 26/06/12 10:00 - Atualizado em 26/06/12 10:00

Gilberto Gil participa do programa Ponto de Encontro, da TV Cultura, em dezembro de 1978. (Bernardino G. Novo / CEDOC FPA)

Nos anos 1960, enquanto o mundo descobria  o pop com os quatro rapazes de Liverpool, não se ouvia nada da música produzida na ex-colônia tropical da Inglaterra, a Jamaica. Além dos próprios jamaicanos e dos vizinhos caribenhos, os poucos que conheciam o ska ou o rock steady - ritmos predecessores do reggae - eram os habitantes do Reino Unido em vista da imensa colônia jamaicana que existia naquelas bandas.

Naquela Inglaterra psicodélica, deparar com o som jamaicano que saía das lojas de discos dos redutos negros em Londres era como entrar em outro planeta. Tanto que até os próprios Beatles se encantaram com aquela música e escalaram alguns músicos jamaicanos residentes em Londres para ajudar a gravar o que, supostamente, deveria ter como resultado um ska. 

Quando Bob Marley despontou para o mundo e, um pouco mais tarde, seu som aportou no Brasil, fãs e músicos se exaltaram com a boa nova. Logo, muitos se aventuraram no novo ritmo e conceito. Foram as primeiras tentativas de ingressar no universo mágico do “riddim jamaicano”. Samba, afoxé, xote, MPB, música cubana e outras milongas foram as ferramentas para decifrar o jeito de tocar reggae. Como diz o ditado: "Falar que é fácil é fácil. Fazer é que são elas!".

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Quando Caetano Veloso gravou "Nine out of ten" em 1971 (disco Transa, 1972) citando o reggae que ouvia na rua Portobelo Road, em Londres, ainda não existia Bob Marley no cenário mundial. Caetano não gravou a música tentando imitar o gênero jamaicano. Mas fez uma citação sonora na introdução, com violão e bateria, que remete ao ritmo tropical. Coisa do Macalé que assinou a direção do disco (mas não creditado no encarte). Foi, muito provavelmente, a primeira vez que a palavra reggae foi dita dentro da música brasileira.  
 


Péricles Cavalcanti fala da experiência que teve com Caetano durante o período entre 1969 e 1971 quando morava em Londres, sobre como se inspirou para compor a música "Nine out of ten".    


Péricles Cavalcanti comenta que, na época, em Londres,  Gil não se interessou tanto pelo som jamaicano quanto Caetano. 
 

  
No disco Refavela (1977), Gil se arrisca na linguagem do reggae, mas não explicita totalmente. Logo em seguida grava a música "No woman no cry", de Marley,  em compacto; uma versão dele que se tornou um enorme sucesso em todo Brasil. Nos anos 1980, após a morte de Marley, Gil vai à Jamaica gravar “Vamos fugir”, com os Waillers, banda que acompanhava Marley.
 


O arranjo é interessante e o resultado agrada, mas não tem absolutamente nada de reggae, mas talvez de música cubana. O próprio Péricles Cavalcanti explicou que os músicos e arranjadores não tinham nenhuma experiência com os fundamentos da música jamaicana na época.
 

Macalé, que já conhecia o ritmo desde a época de Londres ao lado de Caetano, alguns anos mais tarde reverenciou Luiz Melodia e Bob Marley , inclusive citando os versos de sua música, “Then belly full” e fez a tradicional mistura antropofágica ao utilizar a linguagem poética de Melodia com reggae e samba.
 


"Sonho alegre" (Baby Consuelo, Galvão e Moraes Moreira), do disco O que vier eu traço (1978), de Baby Consuelo, é uma combinação bizarra entre xote e rock progressivo. A bateria regueira não é tocada desse jeito, tão pouco o contrabaixo, mas o Brasil sempre foi feliz e os Beatles também não conseguiram fazer de "Obladi Oblada" um ska.
 


Bahia Jamaica (1979) talvez tenha sido o primeiro disco brasileiro assumidamente de reggae, muito embora nele nem tudo soe como música jamaicana. Na faixa "Rasta pé", os compositores baianos Chico Evangelista e Jorge Alfredo finalizam a música (que foi grande sucesso no festival de 1979, da TV Tupi) com os tambores do afoxé, ritmo que se assemelha à batida Nyabinghi, ritual místico dos rastas jamaicanos, promovendo um encontro entre as culturas da Bahia e da Jamaica. Mais tarde, outros também misturaram o afoxé com reggae, como Caetano em “Beleza pura” e Djavan em “Sina”.
 


Nos anos 1970, quando alguém queria fazer um reggae, chamava a banda A Cor do Som . E foi o que fez Chico Buarque para gravar o "reggae" Hino de Duran para o disco Ópera do malandro em 1979. Apesar de serem excelentes músicos, de terem sido responsáveis por obras-primas dos Novos Baianos (Acabou chorare e Novos Baianos Futebol Clube), quando tocavam reggae, só faltava o próprio reggae.

Chico escolheu um reggae pra falar de um personagem contraventor em sua Ópera do malandro. Nada mais apropriado. Bob Marley, no auge de sua carreira, sofreu um atentado e quase foi pro beleléu muito antes de concluir várias de suas obras-primas. Aliás, diversos protagonistas do reggae jamaicano foram espionados pela C.I.A. 

Em 1980, Marley jogou bola no campinho de Chico Buarque. Estavam lá Toquinho, Paulo César Caju e outros. Não conheço nenhum outro artista brasileiro que tenha uma foto do lado do astro do reggae. Quando fui pra Jamaica em janeiro de 1982 (ainda não fazia um ano da morte de Marley), visitei sua  casa na Hope Road Avenue, onde hoje funciona o Bob Marley Museum. Ainda não era museu, mas os anfitriões eventualmente levavam os fãs para conhecer o estúdio e os aposentos de Marley. Ao entrar no quarto, vi pregada a foto de Chico e Marley abraçados em trajes futebolísticos, com toda pinta de ter sido colocada com fita adesiva e outras "mambembices" regueiras pelas mãos do próprio Marley. 
 


Outro que digeriu o reggae foi o inventivo Walter Franco. A prova do crime é a música "Me deixe mudo", registrada em dois álbuns do compositor (Ou não, 1973, e Vela aberta, 1980) e também por Chico Buarque (Sinal fechado, 1974).
 


Interpretada por Baby Consuelo, "O mal é o que sai da boca do homem (Pepeu Gomes, Baby Consuelo e Galvão) participou do festival da TV Globo de 1980. A música foi censurada logo em seguida, podendo ser executada nas rádios somente em versão instrumental. 
 


Rita Lee, no álbum Rita Lee e Roberto de Carvalho (1979), lançou  "Maria mole", dela em parceria com Guto Graça Melo. Associava o reggae à preguiça. Mesmo com a produção de primeira, difícil ver um reggae em "Maria mole". 
 


Em "Só", composição de Luiz Melodia com Perinho Santana, e faixa do álbum homônimo de 1983, o compositor do Morro de São Carlos mostrou, mais uma vez, sua afinidade com o reggae. A primeira foi com "Surra de chicote", do disco Nós (1980).  
 

 

 

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