Paulo César Pinheiro dá a letra

Seleção reúne 12 canções de um dos maiores poetas da música brasileira. Com João Nogueira, Elis Regina, MPB-4, Lenine, Márcia e outros

Laura Mayumi 01/03/13 18:43 - Atualizado em 28/01/15 11:26

Aos 14 anos de idade, o menino Paulo César Pinheiro iniciou uma longa jornada. Da parceria com o amigo João de Aquino, então com 19 anos, nasceu sua primeira canção, a valsa “Viagem”. Os primeiros versos dizem assim:

Ô, tristeza me desculpe

Estou de malas prontas
Hoje a poesia
Veio ao meu encontro
Já raiou o dia
Vamos viajar...

E dessa viagem ele nunca mais voltou. Aos 63 anos, traz na bagagem milhares de composições e histórias pra contar, feitas com parceiros que vão de Pixinguinha a Lenine, passando por Baden Powell, Tom Jobim, Dona Ivone Lara, João Nogueira, para citar apenas alguns. Nesta seleção vamos fazer um pequeno passeio por essa obra gigantesca.

Desde cedo Paulinho percebeu ter sido abençoado com o dom da palavra cantada, e a esse dom se ele se dedica há mais de 40 anos com disciplina impecável. Negando o estereótipo do compositor boêmio, que escreve versos embriagados no guardanapo do bar, ele conta que segue uma rotina diária: levanta junto com o sol, lê o jornal e se põe a escrever até o fim da tarde. E assim, como um missionário, trabalha noite e dia no nobre ofício de espalhar música no ar. No livro História das Minhas Canções, ele comenta:
 
"Acontecem coisas estranhas comigo desde quando comecei a compor, ainda menino. Vejo pessoas, vultos, sombras. Escuto passos, palavras cantos. (...) Minha poesia é cantada e citada como reza, filosofia, provérbio, em inúmeras religiões, seitas e rituais Brasil afora. E eu vou seguindo, hoje, mentalmente, mais serenizado."

Sobre essa sua sina de ser um mensageiro da musica, ele escreveu o que chamou de “Trilogia do Alumbramento”: três músicas que foram se ligando umas às outras, todas compostas em parceria com João Nogueira. “Súplica” abre os trabalhos como uma prece aos deuses da criação, pedindo que a inspiração nunca falte. “O poder da criação” vem depois, dando um vislumbre de como uma canção nasce dentro do compositor. Fechando a trilogia, veio “Minha Missão”, que fala sobre a importância da voz que leva a canção para o mundo, louvando os cantores como porta-vozes do criador.

Uma das maiores fontes de inspiração de Paulo César Pinheiro sempre foi a mistura de raças que fez do Brasil o berço de uma nova etnia. Desde "Lapinha" (a primeira de muitas parcerias com Baden Powell e também sua primeira música gravada) ele já anunciava familiaridade com o folclore brasileiro, o respeito pelos guerrilheiros que lutaram pela liberdade, e a proximidade com as raízes do samba. "Lapinha" foi baseada em um refrão do legendário capoeirista Besouro Magangá. A figura de Besouro, aliás, segue presente em sua obra até os dias atuais: em 2006 ele compôs o musical Besouro Cordão de Ouro, cujas músicas foram reunidas no CD Capoeira de Besouro em 2010. Desse álbum você ouve aqui a faixa "Toque de São Bento Grande de Angola".

Da parceria com Lenine, surgiu a poderosa música "Leão do Norte". Trata-se de um retrato fiel do espírito nordestino, que acabou sendo adotado como um hino informal de Pernambuco. Conta-se que hoje os cadernos escolares por lá trazem impressos seus versos, ao lado do Hino Nacional. Gravada inicialmente por Lenine e logo depois regravada por Elba Ramalho, versão que ouvimos aqui. Em seguida você ouve "Candeeiro encantado", outra parceria dos dois que ajudou a alavancar a carreira de Lenine.

Na genial "Canto das três raças", composta junto com Mauro Duarte, ele alcança a maestria em representar a formação racial do Brasil. Em forma de samba-enredo, nasceu um canto sobre nossa história mestiça, feita de brancos, negros e índios, um canto de trabalho. Aqui você ouve a clássica gravação de Clara Nunes, com quem Paulo César foi casado até a trágica morte da cantora aos 40 anos de idade. E se é pra falar de Clara, vamos ouvir "Um ser de luz", música composta para homenagear essa grande voz, mensageira da música que nos deixou tão cedo. Com o apoio de João Nogueira e Mauro Duarte, aqui ele exorciza a dor de uma morte que abalou sua vida e chocou o país em 1983.

E antes que a nostalgia tome conta dessa playlist, encerramos com o famoso partido alto "Maior é Deus", composto sob encomenda de Fernando Faro, criador do programa Ensaio, da TV Cultura, também carinhosamente conhecido como Baixinho. Em 1974, ele foi convidado para produzir, através da Odeon, o primeiro LP onde Paulo César Pinheiro cantaria suas próprias músicas. Sentindo falta de uma faixa que completasse a idéia que tinha em mente, Baixinho apresentou um canto folclórico de capoeira que diz "maior é Deus, pequeno sou eu", e sugeriu que saísse daí um partido alto. E foi assim que, junto com o parceiro Eduardo Gudin, foi composto esse samba que tão bem representa a alma do compositor Paulo César Pinheiro.

Um poeta sempre rodeado pelos melhores músicos do Brasil. Um grande defensor dos direitos civis, que tantas vezes enfrentou a censura com incrível inteligência e paciência (a canção "Pesadelo", parceria com Maurício Tapajós, que surpreendentemente passou pela censura em pleno 1972, é provavelmente o melhor exemplo dessa coragem). Devoto das forças da natureza, é um gênio generoso que, desde a sua primeira Viagem, segue reverenciando e cantando a alma brasileira.
 
Repertório:

01. Viagem (João Aquino e Paulo César Pinheiro), por Márcia
02. Súplica (João Nogueira e Paulo César Pinheiro)
03. O poder da criação (João Nogueira e Paulo César Pinheiro), por Diogo Nogueira
04. Minha missão (João Nogueira e Paulo César Pinheiro), por Mariana Aydar
05. Lapinha (Baden Powell e Paulo César Pinheiro), por Elis Regina
06. Toque de São Bento Grande de Angola (Paulo César Pinheiro)
07. Leão do Norte (Lenine e Paulo César Pinheiro), por Elba Ramalho
08. Candeeiro encantado (Lenine e Paulo César Pinheiro), por Lenine
09. Canto das três raças (Mauro Duarte e Paulo César Pinheiro), por Clara Nunes
10. Um ser de luz (João Nogueira, Mauro Duarte e Paulo César Pinheiro)
11. Pesadelo (Maurício Tapajós e Paulo César Pinheiro), por MPB-4
12. Maior é Deus (Eduardo Gudin e Paulo César Pinheiro), por Donha Inah
 
Referência bibliográfica:
 
PINHEIRO, Paulo César. História das minhas canções/ Paulo César Pinheiro. São Paulo: Leya, 2010.
 

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