Saravá!

A Bahia, seus ritmos, histórias e costumes, ganha um porta-voz em meados dos anos 1960: o conjunto de canções criadas por Vinicius de Moraes e Baden Powell intitulado afro-sambas.

Felipe Missali 13/05/11 10:40 - Atualizado em 13/05/11 10:40

Os afro-sambas foram feitos lá pelos idos de 1962 e gravados em 1965/1966. Em qualidade sonora – foi a pior naquele tempo; só existiam dois canais em hi-fi. Foi gravado num daqueles dias, em que caía um temporal histórico – o estúdio estava transbordando de água e chuva – cantava e tocávamos em cima de algumas caixas de cerveja e uísque que há muito já havíamos consumidos – estamos todos com muita raça, mas também bastante bêbados. Poucos profissionais – até as namoradas, mulheres e amigos participaram da gravação. 

Baden Powell em carta ao amigo Joel em 1º de novembro de 1990. 




Vinicius de Moraes conheceu Baden Powell na boate Arpège, no Leme (RJ), quando foi prestigiar o amigo Tom Jobim. Powell executava na guitarra canções americanas e alguns iê-iê-iês. Após o show, o “poetinha” se aproximou do violonista e o convidou para ser seu parceiro. Dias depois, Baden foi a procura de Vinicius em seu apartamento e só saíram de lá três meses depois, com 25 canções e muitos litros de uísque no corpo.

A história acima é uma das lendas que Ruy Castro reuniu em seu livro Chega de saudade. Segundo o jornalista mineiro, que logo desmente esse feito, dizendo que foi Nilo Queiroz, aluno de violão de Baden,  o responsável por colocar os dois frente a frente em seu apartamento na Avenida Atlântica. Vinicius passou a noite ouvindo o violão de Baden, que jorrava um repertório que chegava até a Villa-Lobos.

O que se comprova nas duas histórias é a quantidade destruidora, ou talvez inspiradora, de uísque. Vinte caixas de Haig’s, trazidas de forma diplomática que, se for dividida pelos 90 dias do retiro criativo, resulta em incríveis duas garrafas e meia por dia. Mas isso não foi trabalho para a dupla Baden e Vinicius.

Entre tanta bebida e tanto retiro, eles parecem ter alcançado o nível ideal para compor. Dali saíram 25 canções. Baden muito ouviu de Vinicius sobre a Bahia, além de ouvir um disco, presente de Carlos Coqueijo, que continha samba de roda e trechos de berimbau. Powell nunca tinha ido à Bahia. Era apenas um garoto que morava no subúrbio carioca.

“Essas antenas que Baden têm ligadas para a Bahia e, em última instância, para a África, permitiram-lhe realizar um novo sincretismo: carioquizar, dentro do espírito do samba moderno, o candomblé afro-brasileiro, dando-lhe ao mesmo tempo uma dimensão mais universal”, afirma Vinicius em nota do LP Os afro-sambas de Baden e Vinicius.

Com arranjos de Guerra Peixe e participação em todas as faixas do Quarteto em Cy, os afro-sambas entraram para a história da fonografia como um divisor de águas: sua leitura tão atual de uma Bahia cheia de ritmos, histórias e costumes, aliada à poesia e à invenção de um novo violão. Reuniu dois gênios em convulsiva criação, escrevendo naqueles 90 dias o que se conhece por música popular africana brasileira ou, pelo menos, aquilo que habita o imaginário coletivo.

Essa playlist é dedicada às criações e recriações deste ciclo de canções. No elenco, a cantora Márcia com Baden e Originais do Samba; Elis Regina; o duo voz e violão Mônica Salmaso e Paulo Bellinati; Virginia Rodrigues; Philippe Powell e Mario Adnet e, claro, Vinicius e Baden em gravação original. Saravá!


SUGESTÃO AO OUVINTE
Esta playlist também está disponível em audição contínua (compilação mixada ou mixtape). Primeiro, porque as faixas pertencem ao mesmo ciclo de canções, como também pela uniformidade das composições e da instrumentação. A variação de intérpretes e o período entre gravações (de 1966 até os dias de hoje) comprova a importância deste trabalho de Baden e Vinicius, afirmando que a África está cada dia mais dentro do Brasil.
 

 

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