Velho frevo novo

Doze músicas mostram porque o frevo é a grande alucinação do carnaval pernambucano. Com Erasto Vasconcelos, Siba, Isaar, Bahiano e outros

Julio de Paula 17/02/12 17:20 - Atualizado em 28/02/14 18:22

Efeito frevo: \"negros e mulatos em semi-transe\" durante o Carnaval recifense de 1947. (Pierre Verger)

Fotografias de Pierre Verger datadas de 1947 apresentam uma multidão a brincar em êxtase. Negros e mulatos desenvolvem seus passos com guarda-chuvas arqueados em “semi-transe”. Mais tarde, Câmara Cascudo descreve aquela concentração urbana evocada nas ruas do Recife: frevo é a grande alucinação do carnaval pernambucano.
 


Cena 1: Capiba que cupim não rói
A pedido do bloco Madeira do Rosarinho, o poeta do frevo Capiba escreve Madeira que cupim não rói em 1963. Consta que no ano interior o Madeira havia sido “injustiçado” pelos jurados do Carnaval. Ariano Suassuna relata que a composição funcionara como protesto. As baianas do bloco cantavam o refrão com o indicador em riste aos membros do juri:

Queiram ou não queiram os juízes / O nosso bloco é de fato o campeão! / E se aqui estamos, cantando esta canção / Viemos defender a nossa tradição / E dizer bem alto que a injustiça dói / Nós somos madeira de lei que cupim não rói.

Nos anos 1990, Ariano adota este frevo como peça emblemática em defesa da cultura popular.


Cena 2: Frevo novo
Ouvir o centenário é viver a evolução pulsante deste gênero musical, criado e recriado a cada ano. Concursos na cidade do Recife estimulam sua composição. Nova e velha guarda se visitam.

Longa canção sobre um grande amor é frevo “progressivo” de Diogo Andrade, lançado em 2004 pela banda Parafusa.

Ainda sobre Capiba: Isaar estimula um clássico do Carnaval de 1933 – É de amargar, enquanto Siba e a Fuloresta recriam Os melhores dias de minha vida com os metais “rurais” da mata norte. Erasto Vasconcelos convida a Pentã a cair no frevo, afinal Capiba disse que é pra já.
 


Cena 3: O som da triste melodia
Recife Antigo exala a perfume do Bloco das Flores e outros blocos. Leques, flabelos, cordas e madeiras. O ralentado frevo-de-bloco leva a elite a desfilar a pé pelas ruas do Carnaval. Do canto feminino, ouve-se ecos da Belle Époque. Nelson Ferreira, o “Moreno bom”, ao lado de Capiba, torna-se o compositor mais popular do frevo. Escreveu sete evocações musicais. A primeira e mais famosa delas (de 1957) presta homenagem a personagens do Carnaval:

Felinto, Pedro Salgado, Guilherme, Fenelon / Cadê teus blocos famosos / Bloco das Flores, Andaluzas, Pirilampos, Apôs-Fum / Dos carnavais saudosos...

Conhecimento e identidade vocal marcam esta gravação dos Discos Marcus Pereira com Zélia Barbosa.
 


Cena 4: Evolução
O frevo aparece como expressão máxima do Carnaval popular porque reflete as mudanças da realidade social e a alteração das relações entre os grupos de trabalhadores urbanos (diz a antropóloga Rita Barbosa de Araújo). O frevo torna-se “oficial” a partir de convenção da Liga Pernambucana Carnavalesca (1933). Então, também se convencionou denominar frevo instrumental como “frevo-de-rua” e “frevo-canção” quando cantado. Este último, trava diálogo com a marchinha carioca e a indústria fonográfica.

Potencializando o gênero além-Recife, esta lista oferece um frevo-canção de Fernando Filizola, do Quinteto Violado, gravado por Nara Leão num compacto simples de 1972: Pinga fogo.
 


Cena 5: Metaleira
Metais furiosos em sequência visceral de notas caracterizam uma das maiores escolas da música brasileira. O dito “frevo de rua” tem como uma de suas mais antigas e difundidas composições, “Vassourinhas”. Num recibo datado de 18 de novembro de 1910 (informa o pesquisador Evandro Rabelo), consta que Joana Batista Ramos e Matias da Rocha venderam por três mil réis ao Clube Vassourinhas a marcha "que foi compozitada” pelos dois.
 


Um século depois, os metais continuam “bombando” no Recife. Especialmente na comunidade da Bomba do Hemetério. Cabelo de Fogo, do Maestro Nunes, foi adaptada por Forró e Parrô para o álbum Frevo do mundo.
 


Epílogo: Multidão ondulando
A 22 de fevereiro de 1909, o “Jornal Pequeno”, do Recife, publica uma ilustração onde aparece a população agitada em torno de mais um Carnaval. Na legenda: “Olha o frevo!”. 

Dança de rua e de salão, é “alucinação”. Marcha sincopada, o frevo tem como sua característica principal o ritmo “violento e frenético”, diz Câmara Cascudo. “A multidão ondulando, nos meneios da dança fica a ferver. E foi dessa ideia de fervura (o povo pronuncia frevura, frever, etc.), que se criou o nome frevo”.

Fechamos (ou frevemos) com a (dada como) primeira gravação de frevo-canção: "Borboleta não é ave", de Nelson Ferreira, por Bahiano e o Grupo Pimentel, de 1923.
 

 

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